145 ANOS DO DESENCARNE DE ALLAN KARDEC

90 ANOS DO DESENCARNE DE CAMILLE FLAMMARION

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KARDEC, O BOM SENSO ENCARNADO

 

Há 145 anos, no dia 31 de março em Paris, com apenas 64 anos, falecia Allan Kardec. O sepultamento ocorreu no dia 2 de abril. Convidado para as exéquias, o astrônomo Camille Flammarion (1842-1925) proferiu o discurso de despedida.

Paris, manhã chuvosa de 17 de abril de 1997. Havia programado neste dia ir ao cemitério Père Lachaise visitar duas sepulturas. O excelente Guia Visual da Folha de São Paulo assinalava que os jazigos mais floridos eram respectivamente de Allan Kardec e Frédéric Chopin. Queria não somente conferir mas reverenciar duas personalidades  que me são muito caras. Na entrada adquiri dois botões de rosas vermelhas, um para cada um. Logo na entrada recebi um mapa com a planta do cemitério e a localização  dos jazigos das maiores celebridades. Me aproximei do túmulo de A. Kardec erguido como os dólmes druídicos, lembrando aqueles de Stonehenge na Inglaterra construídos pelos druidas na Idade do Bronze, entre 2.000 a 1.500 a.C, palco de uma de suas encarnações da qual extraiu o nome. Coloquei minha rosa em meio a tantas flores que tomavam todo o espaço.

Não havia lugar para um vaso. O Guia estava certo. Era o mais florido.

Hippolyte Léon Denizard Rivail, (1804-1869), pedagogo, professor, autor, tradutor e escritor, morreu conforme viveu : trabalhando, vítima da ruptura de um aneurisma quando ainda tinha muito a oferecer. Sofria de uma enfermidade do coração, estava ciente disso e nem por isso arrefeceu na missão que ele sabia fora destinado. Na sua extensa biografia vemos que de 1835 a 1840 fundou em sua casa à rua de Sèvres, cursos gratuitos de química, física, anatomia comparada e astronomia. Nos deixou três mensagens que constituem, acredito, os pilares da Doutrina:

“Fé inabalável é aquela que encara a razão frente a frente em todas as épocas da humanidade” – “Fora da caridade, não há salvação” –“ Nascer, Viver, Morrer, Renascer ainda e progredir sem cessar, tal é a Lei”.

Elas substituem a fé cega numa vida futura e descortinam infinitos caminhos rumo a perfeição do espírito.

O DISCURSO DE FLAMMARION

O astrônomo Camille Flammarion, então com 27 anos mas já famoso na França, foi amigo pessoal e dedicado de Allan Kardec. Em um dos livros de A. Kardec, ‘A Gênese’ (1868), nota-se claramente a influência dos conhecimentos de Flammarion. Seu livro ‘A Pluralidade dos Mundos Habitados’ (1862) que causou na época enorme impacto científico e filosófico nas mentes dominadas por dogmas e voltadas a Terra como centro da criação, foi muito importante para a obra de A. Kardec. O tema alvo de acirradas discussões encontrou confirmação da existência de outro sistema solar apenas em 1990 com os rádioastrônomos Aleksander Wolszczan e Dale Frail. Estava descoberto o primeiro exoplaneta. Assim, o que parecia um privilégio do Sol, atualmente já são mais de mil as estrelas confirmadas que possuem planetas ao seu redor. O número não pára de crescer e já é aceito que isto é possível para a maioria das estrelas da Via Láctea, a nossa Galáxia! Na União Astronômica Internacional, IAU, existe uma comissão criada há mais de vinte anos para averiguar assuntos que envolvam a pluralidade dos mundos. E pensar que a Inquisição levou o filósofo Giordano Bruno (1550-1600) à fogueira por defender em seu livro ‘Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos’ que “há incontáveis terras orbitando em volta de seus sóis da mesma maneira que os seis planetas do nosso sistema”.

Flammarion foi o que mais valorizou a construção do conhecimento espírita a partir da metodologia empírica e positivista. Como conseqüência dessa postura, ele passou muitos anos pesquisando fatos sobre os quais construiu a convicção na imortalidade da alma e na comunicação dos espíritos. Isto podemos ver em seus livros: ‘O Desconhecido e os Problemas Psíquicos’, ‘As Forças Naturais Desconhecidas’, ‘A Casas mal-assombradas’ e ‘A Morte e seus Mistérios’ nos quais ele deixa claro que o espiritismo é uma ciência de observação e não produto de imaginação.

Ali aos pés do jazigo, em profundo recolhimento espiritual, veio-me a lembrança o dia 2 de fevereiro em que, ali mesmo, Flammarion se despedia do amigo. Ele havia aceito o convite dos amigos e admiradores do pensador laborioso e do ‘Comitê Central da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas’ com o endosso da Sra. Amélie Gabrielle Boudet, esposa de A. Kardec. O discurso de Flammarion assinala uma data histórica do espiritismo a ponto do Comitê oferecer a Flammarion o cargo de presidente da ‘Sociedade Parisiense   de Estudos Espíritas’ algo que ele declinou em razão dos exaustivos compromissos como astrônomo e escritor.

De pé numa elevação de onde dominava a assembléia, o discurso de Flammarion foi ouvido por todos. Dele por sinal extenso, extrai alguns trechos que exprimem seus conhecimentos, sentimentos e convicções.

“Allan Kardec foi homem de ciência que, sem dúvida, não pôde prestar esse primeiro serviço e assim propagar ao longe, como um convite, a todos os corações. Mas ele era o que chamarei simplesmente o bom senso encarnado”. “Porque senhores, o espiritismo não é uma religião, mas uma ciência da qual conhecemos apenas o ABC. Acabou o tempo dos dogmas. A natureza abraça o Universo”. “É pelo estudo positivo dos efeitos que se remonta à apreciação das causas. Na ordem dos estudos reunidos, com o nome genérico de espiritismo, os fatos existem”. “Porque tendo às mãos o livro ‘Pluralidade dos Mundos Habitados’, você os colocou imediatamente na base do edifício doutrinário que sonhastes. Agora, oh alma, você sabe, por uma visão direta, em que consiste esta vida espiritual a qual todos retornaremos e que esquecemos durante esta existência”. “O corpo tomba, a alma fica e retorna ao espaço. Nós nos reencontraremos em um mundo melhor. E no céu imenso, onde se exercerão nossas faculdades mais poderosas, continuaremos nossos estudos que na Terra dispunham de um local muito pequeno para contê-los”. “A imortalidade é a luz da vida, como este brilhante Sol é a luz da natureza. Até logo, meu caro Allan Kardec, até logo! “

 

Nelson Travnik é astrônomo em Campinas,SP, e Membro Titular da Sociedade   Astronômica da França.

 Referências:
A Gênese , FEB, 1973
Obras Póstumas, A.Kardec, Mundo Maior Editora e Distribuidora
La Pluralité des Mondes Habités, C. Flammarion, E. Flammarion,Editeur
Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos, Giordano Bruno, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
Flammarion, aquele que leva a luz, N. Travnik, revista ‘Fidelidade Espírita’,

                                           Campinas, dezembro, 2009.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


No Ano Internacional da Luz, astronomia e o espiritismo celebram,

  C A M I L L E     F L A M M A R I O N

(1842-1925)

                                                                                  Nelson  Travnik    

                                                                    nelson-travnik@hotmail.com     

Astronomia lembra este ano (2015) o 90º aniversário do seu desenlace. “O corpo passa. A alma vive no infinito e na eternidade”.
(C.Flammarion)

                 No contexto do Ano Internacional da Luz, proclamado pela ONU-UNESCO, a comunidade astronômica de todo o mundo, especialmente a francesa, estará reverenciando no próximo dia 3 de junho a memória de Camille Flammarion, um  dos maiores divulgadores da astronomia de todos os tempos. Astrônomo, sábio e filosofo,  o  “Mestre de Juvisy”, o “Poeta do Céu”, partiu para a espiritualidade vítima de uma crise cardíaca aos 83 anos, 3 meses e 8 dias. Numa manhã ensolarada onde a vida irradiava nas flores e nos cantos dos pássaros, levantou-se da mesa em que trabalhava com seu sobrinho Charles e aproximou-se da janela para contemplar o jardim do Observatório. Gabrielle Renaudot Flammarion, sua dedicada esposa acompanhou-o e ele, sentindo sua presença, murmurou, balançando a cabeça encanecida : “Como é belo o mundo! Como é bela a vida !” Depois, voltou-se e olhou-a carinhosamente. De repente, seu rosto crispou-se e ele disse apenas : “meu coração” e em seguida “que mistério é a vida, que mistério é a morte”. Tombou nos braços de Gabrielle. Poucos minutos antes, corrigira as provas de seu último livro : “A Morte e seu Mistério”. Foi através da porta mágica da poesia que ele levou para a Estrada de Urânia, milhares de amantes da ciência do céu. Como Prometeu, seu intuito era trazer ao homem comum as luzes do céu e do conhecimento. Amou a música com tamanha devoção a ponto do grande compositor e amigo Camille Saint-Saens declarar um dia que o astrônomo estava a lhe fazer concorrência. Quase todos os astrônomos daqueles séculos foram, mesmo sem o pressentir, “crias” de Flammarion.

                    Todos os anos no dia 3 de junho, membros da Sociedade Astronômica da França, SAF e admiradores, reúnem-se à volta do seu túmulo no jardim do Observatório, reverenciando sua memória e a grande contribuição à astronomia que mais despertou mentes voltadas ao estudo do céu. Entre seus admiradores estavam o imortal  Victor Hugo (1802-1885), o grande músico Camille Saint Saëns (1835-1921) e os imperadores Napoleão III (1808-1873) e D. Pedro II d’ Alcantara (1825-1891) do Brasil. Nosso Imperador, um grande aficionado da astronomia ,foi membro nº 85 da SAF bem como Alberto Santos-Dumont ( 1873-1932), também aficionado e grandes admiradores de Flammarion.

                   Após receber de presente o livro “Urania’, D. Pedro  II foi uma das primeiras personalidades a visitá-lo, atendendo convite para a inauguração do Observatório de Juvisy-sur- Orge  em 29 de julho de 1887. Nessa ocasião com uma observação do planeta Vênus, inaugurou a luneta de 24 cm com óptica de Bardou, concedeu a Flammarion a comenda da “Ordem da Rosa” bem como plantou no jardim do Observatório uma muda de cedro do Líbano. Esta árvore existe até hoje e há uma placa alusiva ao simpático gesto do nosso Imperador. Constatei isso quando estive em 17 de setembro de 2011 na reinauguração do Observatório após amplas reformas há muito necessárias. Em março de 1882 fundou a revista L’ Astronomie, que existe até hoje, 133 anos ! Uma efeméride difícil de ser igualada. Em 1887 fundou a Sociedade Astronômica da França, SAF, ainda uma das mais ativas do mundo com milhares de sócios em todo o mundo. É  seu primeiro presidente e assume a direção do Boletim Mensal. Em 1879 surge a primeira edição do seu livro “Astronomia Popular”, sua grande obra e que lhe valeu o prêmio Montyon em 1880 concedido pela Academia Francesa. Em 1955 sob direção de sua esposa Gabrielle Camille Flammarion, Secretaria Geral da SAF e de André Danjon, diretor do Observatório de Paris, o livro com 609 páginas é reeditado inteiramente refeito com os conhecimentos atuais da astronomia até aquele ano. Como suplemento ao livro, em 1896 surge “As Estrelas e as Curiosidades do Céu”, uma descrição completa do céu visível a olho nu e de todos os objetos celestes fáceis de observar. O ponto alto do livro com 792 páginas, é a observação de estrelas duplas. Convém lembrar que em 1878 Flammarion havia publicado um Catálogo de Estrelas Duplas Visuais que foi por muito tempo considerado o melhor do mundo. Por essas e muitas outras obras, Flammarion recebeu em 1912 um prêmio da Legião de Honra pela sua contribuição dada a divulgação da astronomia. Em 1899 fundou  o Observatório das Sociedades Eruditas . Flammarion escreveu 55 obras de ciência e filosóficas, Atlas Celeste, Carta Celeste, Planisfério Móbil, Carta Geral da Lua, cartas astronômicas e globos da Lua e de Marte.  Publicou muitos trabalhos de pesquisa na Academia de Ciências de Paris . É curioso atentar uma relação neste Ano Internacional da Luz com o sobrenome ‘Flammarion’ : na letra e significação galoromana é “aquele que leva a luz”. E realmente levou a luz das estrelas a milhões de pessoas.

FLAMMARION  E  O  ESPIRITISMO

O primeiro contato de Flammarion com o espiritismo se deu em novembro de 1861, numa livraria quando teve acesso ao livro “O Livro dos Espiritos” edição daquele ano de Allan Kardec. Ao folhear o livro ele constatou que entre os assuntos abordados, encontrava-se um tema de um livro que ele estava escrevendo “A Pluralidade dos Mundos Habitados”. Levou o livro e com imensa sede de conhecimento que o caracterizava, ficou intrigado que a origem das informações era atribuída a espíritos e resolveu então investigar. Procurou Kardec e como Membro Associado Livre, passou a assistir as reuniões da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas fundada por Kardec em 1858. Passou ali a exercitar-se semanalmente na “escrita automática” (psicografia). Nesta época obteve diversas mensagens assinadas pelo sábio italiano Galileu Galilei (1564-1642) algumas das quais Kardec inseriu no seu livro “A Gênese”, capítulo VI, Uranografia Geral. Em sua biografia Flammarion deixa claro que havia uma certa predileção de Kardec por ele tanto que, quando do falecimento do codificador em 31 de março de 1869, é justamente Flammarion que recebe convite do Comitê Central da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas com o endosso da Sra. Allan Kardec, para que fizesse um discurso de despedida junto ao seu túmulo. Ele não foi o único a discursar mas suas palavras que constam em “Obras Póstumas – o legado de Allan Kardec”, é  uma síntese magistralmente elaborada da obra e pensamentos do codificador e uma afirmação sobre a missão importante do espiritismo sobre a Terra. Nesse discurso Flammarion reconheceu o trabalho de Kardec, considerando-o “o bom senso encarnado”. Em suas memórias Flammarion revela que foi convidado a presidir a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, convite que declinou face a seus inúmeros compromissos como astrônomo e escritor. Dos colaboradores de Kardec, Flammarion foi o que mais valorizou a construção do conhecimento espírita a partir da metodologia empírica e positivista. Durante sua vida através de suas obras filosóficas, o “Mestre de Juvisy” construiu a convicção na imortalidade da alma, na comunicabilidade dos espíritos e na existência de faculdades extra-sensoriais dos homens. Com isto quando desencarnou, nos ofereceu sólidas bases científicas da doutrina espírita que sustentou e alimentou gerações de pessoas em todo o mundo. Flammarion a exemplo de como pensava Kardec, ofereceram juntos a construção de uma religião natural, sem dogmas, sem mistérios e sem sobrenatural.

REFERÊNCIAS

L’ Astronomie, revista mensal da Sociedade Astronômica da França.

Camille Flammarion, Astronomie Populaire, edição de 1955

Camille Flammarion, Les Etoiles et les Curiosités du Ciel, edição de 1896.

Camille Flammarion, La Pluralité des Mondes Habités, edição de 1921.

Ronaldo R. Freitas Mourão, Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica,

                                                   Editora Nova Fronteira, 1995.

Nelson Travnik,  O Bom Senso Encarnado, Correio Popular, Campinas,2014

Nelson Travnik, Flammarion : Aquele que leva a Luz, revista Fidelidade Espírita, 2009.

Nelson Travnik, vários artigos publicados pela Sociedade de Estudos Espíritas Camille

                             Flammarion, www.camilleflamarion.org.br , São Paulo , SP

 

O autor é espírita, diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba, SP, e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França. Fundou em Matias Barbosa, MG, o Observatório Astronômico Flammarion (1954-1976).